terça-feira, 8 de dezembro de 2009

" Assistindo ao ótimo
Closer - Perto demais", me
veio à lembrança um poema
chamado "Salvação", de Nei
Duclós, que tem um verso
bonito que diz: "Nenhuma
pessoa é lugar de repouso".
 Volta e meia este verso me
persegue, e ele caiu como
uma luva para a história que
eu acompanhava dentro do
cinema, em que quatro pessoas
relacionam-se entre si e nunca
se dão por satisfeitas, seguindo
sempre em busca de algo que
não sabem exatamente o que é.
 Não há interação com outros
personagens ou com as questões
banais da vida. É uma egotrip
que não permite avanço, que
não encontra uma saída - o que
é irônico, pois o maior medo
dos quatro é justamente a
paralisia, precisam estar sempre
em movimento. Eles certamente
assinariam embaixo: nenhuma
pessoa é lugar de repouso.

 Apesar dos diálogos divertidos,
é um filme triste. Seco. Uma
mirada microscópica sobre o
que o terceiro milênio tem a
nos oferecer: um amplo leque
de opções sexuais e
descompromisso total com a
eternidade - nada foi feito pra
durar. Quem não estiver feliz, é
só fazer a mala e bater a porta.
 Relações mais honestas, mais
práticas e mais excitantes.
 Deveria parecer o paraíso, mas
o fato é que saímos do cinema
com um gosto amargo na boca.

 Com o tempo, nos tornamos
pessoas maduras, aprendemos
a lidar com as nossas perdas e
já não temos tantas ilusões.
 Sabemos que não iremos
encontrar uma pessoa que,
sozinha, conseguirá corresponder
100% a todas as nossas
expectativas, sexuais, afetivas
e intelectuais. Os que não se
conformam com isso adotam o
rodízio e aproveitam a vida.
 Que bom, que maravilha, então
deveriam sofrer menos, não? O
problema é que ninguém é tão
maduro a ponto de abrir mão do
que lhe restou de inocência.
 Ainda dói trocar o romantismo
pelo ceticismo, ainda guardamos
resquícios dos contos de fada.
 Mesmo a vida lá fora flertando
descaradamente conosco, nos
seduzindo com propostas tipo
"leve dois, pague um", também
nos parece tentadora a idéia de
contrariar o verso de Duclós e
encontrar alguém que acalme
nossa histeria e nos faça
interromper as buscas.

 Não há nada de errado em
curtir a mansidão de um
relacionamento que já não é
apaixonante, mas que oferece
em troca a benção da intimidade
e do silêncio compartilhado, sem
ninguém mais precisar se
preocupar em mentir ou dizer
a verdade. Quando se está há
muitos anos com a mesma
pessoa, há grande chance de
ela conhecer bem você, já não
é preciso ficar explicando a todo
instante suas contradições, seus
motivos, seus desejos.
 Economiza-se muito em palavras,
os gestos falam por si. Quer
coisa melhor do que poder ficar
quieto ao lado de alguém, sem
que nenhum dos dois se
atrapalhe com isso?

 Longas relações conseguem
atravessar a fronteira do
estranhamento, um vira pátria
do outro. Amizade com sexo
também é um jeito legítimo
de se relacionar, mesmo não
sendo bem encarado pelos
caçadores de emoções. Não é
pela ansiedade que se mede a
grandeza de um sentimento.
 Sentar, ambos, de frente pra lua,
havendo lua, ou de frente pra
chuva, havendo chuva, e juntos
fazerem um brinde com as taças,
contenham elas vinho ou café, a
isso chama-se trégua. Uma
relação calma entre duas pessoas
que, sem se preocuparem em ser
modernos ou eternos, fizeram
um do outro seu lugar de
repouso. Preguiça de voltar à
ativa? Muitas vezes, é. Mas
também, vá saber, pode ser
amor...

     • Interrompendo as buscas.
     • Martha Medeiros

Nenhum comentário:

Postar um comentário