domingo, 27 de junho de 2010

Coisas da vida ( da minha vida)

























Existem coisas difíceis na vida. É difícil bater o dedinho no pé da mesa. É difícil suportar a cólica menstrual. É difícil ver lixo na rua. É difícil ver quem a gente ama sofrer. É difícil perder quem a gente ama. Não falo do perder de pé na bunda, do perder da pessoa ter ido embora por livre e espontânea vontade e ter deixado você e o seu coração de mãos abanando. Falo do perder perdido, perder sem ninguém avisar, perder sem mais nem menos, perder pra morte. Você fica perdido com a perda, perdido na dor e no silêncio e na solidão. Isso é bem difícil. De vez em quando a gente tem que perder pra ganhar.



Eu tinha muito medo de virar adulta, de ser gente grande, de crescer. Não que eu tenha crescido muito, mas vá lá, eu tenho 1.69 e sei que o número é bem sugestivo. O assunto é bem sério agora. Quando eu era pequena achava que nada ia me machucar, a não ser quando eu caía no chão e realmente me machucava, então eu abria o berreiro e lá vinha a minha mãe com o colo quente e as palavras afetuosas. Às vezes ela me xingava, eu-te-disse-pra-não-fazer-isso-eu-te-disse. É, ela sempre me disse. Um dia eu ainda descubro por qual motivo as mães têm sempre razão. Bruxas boas. Deixei de ser criança e entrei na fase cruel da adolescência, sim, é um período malígno, muitas dúvidas e incertezas, pouca compreensão e aceitação. Não fui rebelde, mas sempre fui brava e dona de uma personalidade forte, é-assim-e-pronto. Cheia de radicalismo e cabeça-durismo. Tive umas decepções amorosas, outras escolares. Muito eu chorei no colo da minha mãe, por não saber lidar com os meus sentimentos. Então a fase passou, comecei a caminhar com as minhas próprias pernas, a fazer por mim. Mas de alguma forma eu não sentia que a minha vida me pertencia.


Eu já tinha vinte e poucos anos e me sentia um bebê. Tem diferença entre você conservar o lado bonito da infância e você ser um bebê incapaz de chacoalhar a cortina da própria vida. Medo de correr mais na frente, receio de ficar trancada em algum labirinto criado pelos acontecimentos da vida, porque a vida de vez em quando enreda, embola, dá nó. E pai e mãe não são eternos, tampouco o colo deles, muito menos a solução que eles oferecem. E fiquei por aí, meio perdida, com vinte e meio anos, depois vinte e muitos. Então, alguma coisa clareou. Uma coisa sem nome e com nome, que surgiu de repente e disse ei, vamos lá, a vida te dá muitas chances, aproveita e deixa de ser boba. E eu queria ser boba, é tão bom ser boba, dá trabalho virar adulta e querer uma vida de adulta. É fácil falar eu quero uma casa minha, uma vida minha, um trabalho meu, tudo meu e muito meu e é todo meu. Difícil é você se desligar do que estava acostumada e acomodada, porque a vida também é acomodação.


Tenho um lado que gosta de cuidar dos outros. Os outros são as pessoas que eu gosto. Durante algum tempo passei vivendo outras vidas, sendo outros eus, vivendo sonhos que não eram meus. Uma preocupação cortante se o outro é feliz. O outro podia ser um amigo, um pai, uma mãe, irmãs, sobrinhos, um conhecido. Me doía a dor do outro, ainda me dói. Não entendo direito isso, nem sei que nome tem, mas eu gosto de ver todo mundo feliz e bem. Nem sempre dá, eu sei, e acho triste. Mais triste ainda era eu esquecer da minha vida pra lembrar da vida de alguém. Primeiro você tem que cuidar de si, se não estiver bem cuidado como vai conseguir tomar conta de outros? Nem sei se os outros precisam de tantos cuidados assim, mas de alguma forma eu acho que sim. Tenho um Complexo de Salvadora do Mundo. Ele me faz mal às vezes. Eu me faço mal de vez em quando. E era tudo, tudo. Fulana que brigou com o ficante. Beltrana que levou um peteleco do irmão. Mariazinha que brigou com o pai. Eu me envolvia de tal forma que de vez em quando o sono saía pela janela e não mais voltava. Não, não sou a melhor pessoa do planeta. Mas eu sinto, sabe? Sinto que a gente não pode ficar indiferente na frente do outro. Nem nas costas. Nem por nenhum ângulo.


Já magoei algumas pessoas, é inevitável, viver causa mágoa também. Já me magoaram fundo e me doeu e eu disse tudo bem, passou. Sabe, pra mim passa. Acho bonito saber perdoar. Demorei pra aprender a me desculpar. Tudo bem, passou. Errei muito, caí bastante, me cobrava por isso, queria uma perfeição que só existe no cinema. Queria uma vida de filme, mas o que eu via era um alguém perdido, perdida, com preocupações e olhares pra fora. Eu precisava olhar pra dentro, me procurar. Eu fiquei um tempo perdida, acho que dormindo, meio Bela Adormecida. Um sono longo, profundo, tentavam me acordar e eu dizia shhh, me deixa. Me deixa, me deixa, me deixa. Eu lembrava dos outros pra me esquecer. Ajudava quem eu podia pra poder continuar dormindo, sem acordar e olhar pro espelho. Escondia a minha alma de mim, pra emprestar pra quem precisasse. Infelizmente, durou muito tempo. Não me arrependo, acho bonita essa minha capacidade de doação. De entrega. De conseguir me colocar no outro lugar. Mas quase perdi o meu, deixei a minha cadeira vaga por um período imenso, intenso.


Existem coisas difíceis na vida. Eu pensava que, ao olhar só pra mim, o egoísmo surgiria. Não gosto de quem se graduou no Egoísmo. Prefiro me manter distante. Percebi, então, depois de um árduo trabalho mental eu versus eu mesma, que se eu realmente me encontrasse iria ser mais feliz. E se eu fosse mais feliz e estivesse em paz poderia me doar mais. E pra me doar eu não preciso que vejam o que estou fazendo, pode ser uma doação distante, serena, silenciosa.


Dois mil e nove começou difícil. Pensava que ia ser um ano terrível, pela forma como começou. Dois mil e dez já anunciava o que viria:  O ano foi andando e me mostrando que existem coisas lindas por trás do que a gente acha que é dolorido. Existe aprendizado, amadurecimento, compaixão, clareza de entender quem é você, sabedoria em aceitar que nem tudo está ao alcance dos seus dedos compridos e brancos. Uma sensação de paz foi surgindo, um conforto por entender mais de mim, da minha vida, de quem eu sou. Outros olhos me mostrando coisas novas e profundas sobre a vida, sobre viver, sobre sentir. Outros olhos afugentando medos e temores e me ensinando que o amor imenso e simples existe. Outros braços ajudando os meus, quando eles não sabiam se poderiam segurar alguns pesos. Outras pernas dando suporte para as minhas, quando elas duvidavam da capacidade de seguir caminhando para a frente. Outro coração me dizendo coisas que eu não sabia. Outra alma sorrindo para a minha, esticando a mão e me mostrando por onde ir. Outra voz me dizendo pra deixar de ser Madre Teresa e me preocupar mais com a minha vida, pois se preocupar com os outros é bonito, mas cada um precisa cuidar de si mesmo. Foi o ano que mais eu ganhei. Outro colo me esperando, pra quando a vida fica difícil. Porque ela fica. E a gente precisa entender isso.


 E como eu tenho pressa. Pressa de saber, de querer, de sentir. Mas eu preciso entender que virar adulto é ter paciência, é pensar mais, é não fazer cara de choro quando alguma coisa sai errado. Eu chego lá. Chego com a certeza de saber que no próximo ano coisas lindas acontecerão, pra mim e pra você. Chego com a gratidão dentro dos meus dedos, pois este ano foi o melhor ano que já vivi até hoje. Sei que ele ainda não acabou, mas a gente sabe que dezembro está batendo na porta(..sim exagero, ainda estamos em junho) Vou abrir, ele que entre, fique o tempo que quiser e se vá. Hoje, pra mim, é um dia de certezas. Sei que dias difíceis virão, mas também sei que existe muita beleza neles. Porque existe beleza em tudo. Depende de como os nossos olhos enxergam. Hoje os meus olhos enxergam a simplicidade. Ganhei muito este ano. Muitos. Eu me ganhei.


































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